Alucinações Interseccionais e os desafios da IA na geração de dados e implicações para comunicação e publicidade
O avanço da inteligência artificial (IA) e do aprendizado de máquina tem transformado radicalmente a forma como lidamos com dados, especialmente no campo da saúde e nas ciências sociais. Entretanto, essa revolução não vem sem desafios significativos, como demonstrado pelos fenômenos das *alucinações interseccionais*. Vamos explorar como a IA é treinada, a utilidade dos dados sintéticos e os perigos ocultos desse desenvolvimento.
A Ciência dos Dados e o papel da IA: o que podemos aprender a partir de uma perspectiva científica?
Desde tempos imemoriais, a base da pesquisa científica tem sido identificar problemas, coletar dados, buscar padrões e desenvolver modelos para resolver esses problemas. A esperança é que a IA, particularmente através do aprendizado de máquina, possa fazer isso de forma mais rápida, eficaz e precisa do que os humanos. No entanto, isso requer uma quantidade massiva de dados, muitas vezes excedendo o que o mundo real pode fornecer.
Esse é o ponto no qual os dados sintéticos entram em cena. Dados sintéticos são gerados artificialmente por modelos de IA que examinam distribuições estatísticas de conjuntos de dados reais e criam novos, mas similares, conjuntos de dados. Isso permite superar limitações práticas relacionadas à coleta de dados reais, como também questões de privacidade e regulamentação de dados.
E é aqui que começam as chamadas Alucinações Interseccionais
Enquanto as inovações na geração de dados sintéticos representam avanços notáveis, elas também introduzem novos problemas. Uma dessas complicações é a “alucinação interseccional”. No contexto de IA, uma alucinação interseccional é um dado gerado que combina categorias de formas que são logicamente ou estatisticamente impossíveis.
Por exemplo, em uma pesquisa conduzida usando dados do censo dos Estados Unidos de 1990, foram encontradas 333 entradas sintéticas que apresentavam o status de “marido/esposa e solteiro” ao mesmo tempo, uma combinação impossível na realidade. Isso levanta a questão crítica de até que ponto podemos confiar em dados sintéticos para finalidades diferentes.
E o que isso tem a ver com conteúdo e marketing digital?
O conceito de “alucinações interseccionais” em dados sintéticos pode ser comparado aos desafios enfrentados na comunicação e publicidade ao tentar entender e segmentar diferentes públicos. Assim como os dados sintéticos podem reproduzir combinações complexas de variáveis com certa precisão, as campanhas de publicidade e comunicação precisam lidar com múltiplas características dos públicos-alvo para serem eficazes. Vamos analisar isso com mais detalhes.
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Interseccionalidade e Segmentação de Público
A interseccionalidade, um conceito dos estudos de gênero, analisa como diferentes fatores (como gênero, idade, raça, classe, deficiência) interagem para criar dinâmicas de poder e discriminação. Na publicidade, entender essa interseccionalidade é crucial para criar mensagens que ressoem com os diversos públicos.
Em campanhas publicitárias, segmentar o público com base em uma única característica (como idade) pode não ser suficiente. Assim como nos dados sintéticos, onde a precisão de intersecções complexas (idade-renda-gênero) é vital, na publicidade, a combinação de múltiplos fatores é essencial para entender e alcançar o público-alvo de forma eficaz.
Fidelidade Interseccional e Precisão das Campanhas
Nos dados sintéticos, a precisão na representação de intersecções complexas é chamada de “fidelidade interseccional”. Na publicidade, isso se traduz na capacidade de uma campanha de refletir com precisão as diversas facetas do público.
Uma campanha bem-sucedida precisa capturar as nuances do público-alvo. Assim como a “fidelidade interseccional” assegura que as intersecções nos dados sintéticos são reproduzidas com precisão, as mensagens publicitárias precisam refletir com exatidão as necessidades, desejos e contextos dos diferentes segmentos do público.
Alucinações Interseccionais e Erros de Segmentação
As “alucinações interseccionais” nos dados sintéticos, onde combinações impossíveis ou ausentes no conjunto de dados original são criadas, podem ser comparadas aos erros que ocorrem quando a segmentação do público não é bem executada na publicidade.
Assim como as “alucinações interseccionais” podem introduzir dados irreais (como “maridos solteiros”), uma segmentação mal feita pode levar a campanhas que não fazem sentido para o público, resultando em mensagens que não ressoam ou que são até prejudiciais à imagem da marca.
Limitações dos Dados Sintéticos e das Campanhas Publicitárias
Na publicidade, entender até que ponto uma campanha segmentada permanece relevante é crucial. Se a segmentação for excessivamente complexa ou mal executada, a mensagem pode se tornar irrelevante ou até prejudicial. Assim como é necessário questionar a utilidade dos dados sintéticos em interseções complexas, é importante avaliar constantemente a eficácia e relevância das campanhas publicitárias.
O estudo das “alucinações interseccionais” em dados sintéticos oferece uma metáfora valiosa para os desafios enfrentados na comunicação e publicidade. Assim como os cientistas de dados precisam garantir a “fidelidade interseccional” e evitar alucinações, os profissionais de marketing e comunicação precisam entender profundamente seu público e evitar erros de segmentação para criar campanhas precisas e eficazes. Ambos os campos exigem uma análise cuidadosa das interseções complexas para garantir a relevância e precisão de seus resultados.
Um pouco mais de exemplos práticos quando se fala em alucinações de I.A.
A geração de dados sintéticos é uma faca de dois gumes. Por um lado, permite a criação de grandes conjuntos de dados para treinar sistemas de IA. Por outro, pode levar à exclusão de casos raros, exacerbando preconceitos existentes. Dados sintéticos podem também apresentar “alucinações” que, se não forem identificadas e corrigidas, podem levar a decisões baseadas em falsas premissas, afetando os resultados de pesquisas e políticas púiblicas.
Para mitigar esses riscos, é importante que a geração de dados sintéticos seja acompanhada por curadoria cuidadosa. Identificar e corrigir essas alucinações requer métodos rigorosos e constantemente atualizados. Como Zuboff aponta em seu “A Era do Capitalismo de Vigilância” (2019), a falta de transparência e a opacidade dos algoritmos podem transformar avanços tecnológicos em instrumentos de vigilância massiva e controle social, ao invés de ferramentas de liberdade e progresso.
É inegável que os dados sintéticos apresentam uma solução poderosa para os desafios de coleta de dados na era da IA. No entanto, sem uma curadoria cuidadosa e uma abordagem crítica, corremos o risco de perpetuar erros, preconceitos e alucinações que podem ter consequências graves. A intersecção entre ética, tecnologia e sociedade exige uma vigilância constante e uma prontidão para adaptar nossas abordagens à medida que entram em uso novas tecnologias.
Em última análise, a responsabilidade pela implementação segura e ética da IA recai sobre todos nós – pesquisadores, desenvolvedores e sociedade civil.
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